sábado, 12 de julho de 2025

Um canto para a revolução

O processo de independência na América Latina não foi um evento singular, mas um complexo mosaico de lutas, ideais e figuras que moldaram o continente. No cerne desse período fervoroso, destaca-se a figura de Simón Bolívar, o "Libertador", cuja visão de uma América unida e soberana ecoa até hoje. Bolívar, com sua campanha militar e ideais republicanos, não apenas libertou vastos territórios do domínio colonial espanhol, mas também plantou as sementes de uma identidade latino-americana forjada na resistência e na busca por autonomia. No entanto, o sonho bolivariano de uma Grande Pátria enfrentou inúmeros desafios, e o século XIX e posteriores viram a fragmentação e a persistência de novas formas de dominação, muitas vezes econômicas e políticas.

É nesse contexto histórico e ideológico que a voz de Alí Primera, o "Cantor do Povo", ressoa com particular força.

Batizado como Rafael Sebastián Primera Rosell, Alí recebeu o nome "Alí" por seus avós árabes e "Primera Rosell" de seus pais. Sua infância foi marcada pela pobreza extrema. Órfão de pai aos três anos – seu pai, funcionário em Coro, faleceu acidentalmente em um tiroteio na prisão em 1945 – Alí, sua mãe e seus dois irmãos iniciaram um doloroso peregrinar por diversos vilarejos da península de Paraguaná, incluindo San José, Caja de Agua e, finalmente, o bairro La Vela, hoje conhecido como Setor Alí Primera.

Desde cedo, Alí assumiu múltiplos ofícios para ajudar a família na miséria: de limpador de sapatos aos seis anos a boxeador. Contudo, essas dificuldades não o impediram de buscar seus estudos. Em 1960, em busca de uma vida melhor, a família mudou-se para Caracas, onde Alí ingressou no Liceo Caracas para completar sua educação secundária.

Em 1964, após o bacharelado, Alí ingressou na Universidade Central de Venezuela para estudar Química. Foi nos corredores e pátios dessa universidade que sua vocação como cantor e compositor floresceu. O que começou como um passatempo tornou-se gradualmente uma atividade em tempo integral. Suas primeiras canções, "Humanidad" e "No basta rezar" – esta última apresentada no Festival da Canção de Protesto da Universidade de Los Andes em 1967 – impulsionaram-no à fama inicial.

Entre 1969 e 1973, Alí Primera permaneceu na Europa, graças a uma bolsa do Partido Comunista da Venezuela (PCV) para continuar seus estudos na Romênia. Lá, para se sustentar, trabalhou lavando pratos e ocasionalmente se apresentava em locais que valorizavam seu trabalho. Em um estúdio na Alemanha, gravou seu primeiro disco, "Gente de mi tierra". As composições de Alí, que retratavam o sofrimento do povo oprimido pela pobreza e desigualdade social, rapidamente tocaram o coração das pessoas, consagrando-o como o "Cantor do Povo".

Apesar de sua popularidade crescente entre os setores mais necessitados, Alí enfrentou um veto dos grandes meios de comunicação e do governo venezuelano devido ao radicalismo de suas letras. Essa censura o levou a fundar seu próprio selo, Cigarrón, para conseguir difundir suas composições, apoiando-se na Promus para a distribuição comercial. "Em Europa o mundo se me fazia chiquito ainda com os latino-americanos. Eu lavava pratos por não vender meu canto e às vezes conseguia cantar em lugares onde realmente se respeitava minha canção...", ele diria anos depois, já reconhecido.

Após militar na Juventude Comunista e no PCV, Alí colaborou nos primórdios do Movimento ao Socialismo (MAS), atuando na primeira campanha eleitoral de José Vicente Rangel em 1973, sem nunca deixar de ser militante do PCV. A partir de 1973 até sua morte, gravou 13 álbuns e participou de inúmeros festivais por toda a América Latina. Entre suas canções mais conhecidas estão "Paraguaná, Paraguanera", "José Leonardo", "Techos de cartón" (regravada por diversos artistas latino-americanos), "Cruz Salmerón Acosta", "Reverón", "Flora y Ceferino", "Canción mansa para un pueblo bravo" e "Sombrero azul".

Alí Primera levava sua arte diretamente ao povo, apresentando-se em fábricas, liceus, sindicatos e na Aula Magna da Universidade Central de Venezuela. Ele possuía uma intuição notável e audácia para compor melodias que eram um verdadeiro "chamado ao combate", multiplicando seu canto em defesa da humanidade.

Para estudiosos como Jesús Franquis e Andrés Castillo, embora sua obra fosse muitas vezes classificada como "canção de protesto", Alí insistia em chamá-la de "Canção Necessária". Em suas próprias palavras: "Nosso canto não é de protesto, porque não fazemos uma canção por malcriação, não a tomamos para nos encumbrar nem nos fazer milionários, é uma canção necessária." E acrescentou: "Cada dia nos motiva a fazê-la mais profunda, pois um homem armado de uma canção e uma poesia humana, é um homem desarmado para a inveja e para ser um homem mau." Ele via seu canto não como uma lamentação da miséria, mas como a celebração da "possibilidade de borrá-la, de erradicá-la da face da terra".

Na vida pessoal, Alí conheceu sua futura esposa, Sol Musset, em Barquisimeto em 1977. Com ela teve quatro filhos: Sandino, Servando, Florentino e Juan Simón. Ele também foi pai de María Fernanda "Shimpi" e María Ángela "Marimba", de um relacionamento na Suécia, e de Jorge Primera Pérez, com Noelia Pérez.

Sua biografia, marcada pela pobreza e pela consciência social desde cedo, moldou profundamente sua obra. Conforme aponta o blog Andragogia, ele "viveu as agruras da pobreza desde cedo, o que o levou a desenvolver uma aguda consciência social" (Andragogia, 2009). Essa vivência e sua formação acadêmica em química, aliadas a um profundo compromisso político, o transformaram em uma das figuras mais emblemáticas da Nova Canção Latino-Americana, utilizando a música como uma poderosa ferramenta de denúncia e conscientização.

Vamos mergulhar sociologicamente na coletânea "Un Canto a la Revolución" de Alí Primera. Esse som, que está no youtube, é mais do que um álbum de estúdio oficial, este título representa uma compilação essencial de canções que encapsulam o espírito revolucionário e o profundo engajamento social do "Cantor do Povo" venezuelano. Embora Alí tenha lançado álbuns icônicos como "Gente de mi tierra" ou "Techos de cartón" (que, inclusive, contém a famosa música de mesmo nome), "Un Canto a la Revolución" nos oferece uma seleção de suas obras mais politicamente engajadas, refletindo as temáticas centrais dos movimentos sociais na América Latina.

As canções que compõem essa coletânea são a própria essência da "Canção Necessária" de Alí Primera. Elas são um espelho do seu compromisso inabalável com as lutas populares e sua crítica contundente às injustiças sociais e ao imperialismo.


A Coletânea "Un Canto a la Revolución" Inclui Canções Como:

01 - Sangeo Para El Regreso
02 - Canción Bolivariana
03 - La Patria Buena
04 - Los Que Mueren Por La Vida
05 - Abre Brecha
06 - Caña Clara Y Tamblor
07 - Cunabiche Adentro
08 - La Patria Es El Hombre
09 - Perdone Tio Juan
10 - Madre Dejame Luchar
11 - Tin Marin
12 - Canción Mansa Para Un Pueblo Bravo
13 - Mama Pancha
14 - La Canción De Luis Mariano
15 - No Basta Rezar
16 - Techos De Carton
17 - Coquibacoa
18 - El Gallo Pinto

Alí Primera invoca a figura de Simón Bolívar não como um ícone estático do passado, mas como um retorno messiânico, uma força viva para a libertação do povo. Para o cantor, Bolívar "trae Furia y coraje por dentro al ver que nos han quitado lo que él dejó siendo nuestro", traçando um paralelo bíblico ao compará-lo a Jesus Cristo expulsando os mercadores do templo: "si Jesucristo sacó los mercaderes del templo Bolívar también volvió a liberar su pueblo".

O artista critica veementemente a deturpação do legado bolivariano, lamentando que "no es verdad Simón Bolívar que al hacer tu juramento histórico en Monte sacro no pensaste que tu brazo hoy se sintiera cansado de tantos que se han colgado para acudarse en tu nombre". Ele o apresenta como um "Bolívar bolivariano", um amigo e libertador, em contraste com a imagem de um santo ou uma figura morta a quem se acende uma vela. Há um lamento profundo pela situação da pátria, onde o povo, que Bolívar libertou, agora experimenta a "libertad de morirse de hambre pisoteados por la bota norteña", uma clara referência à influência imperialista.

Denúncia da Exploração e Injustiça Social

A obra de Alí Primera é um grito contra a opressão e a miséria. As letras expõem a exploração sofrida pelos mais humildes, identificando a burguesia como herdeira e perpetuadora da dominação colonial: "La burguesía es hija de la colonia y viceversa la opresión está reunida en masa bajo un solo estandarte". A crítica se estende ao imperialismo ianque, acusado de saquear as riquezas naturais do país: "el imperialismo yanqui que hace lo que le da la gana... se lleva lo que es nuestra tierra y solo nos van dejando miseria y sudor y obrero". A ironia amarga de "Nos pagan la tonelada por menos de tres centavos" ilustra a exploração dos recursos.

O contraste entre a riqueza e a pobreza é gritante: "Qué triste vive mi gente en las casas de cartón" versus "que alegres viven los perros casa del explotador". Alí Primera inverte a lógica da dominação ao observar que "el patrón hace años muchos años que está mordiendo el obrero", enquanto os cães são educados "para que no muerdan los diarios".

Chamado à Unidade, Conscientização e Luta

A mensagem de Alí Primera é um apelo fervoroso à unidade popular como a única via para a vitória. A canção reitera o mantra "lucha por la unidad", alertando que "si la lucha por la libertad se dispersa no habrá Victoria en el combate". Ele denuncia a apatia e o conformismo como inimigos internos: "la tristeza de mi pueblo será convertido en fuerzas para que ya no siga enfermo de conformismo en el alma".

A paz, segundo o cantor, não virá sem revolução: "no no no basta rezar hacen falta muchas cosas para conseguir la paz" e "nada se puede lograr si no hay Revolución". Há uma urgência em "despertar a la gente que alcen más y más la frente para merecer la gloria y hacer de nuevo la historia liberando al oprimido si el pueblo está dormido nunca ganará la gloria".

Valorização da Pátria e da Identidade Nacional

A pátria é personificada em suas canções como uma mulher a ser amada e defendida dos que a "manosean" ou a utilizam para seus próprios prazeres, em vez de cuidá-la. Para Alí Primera, a essência da pátria reside em seu povo: "la patria es el hombre muchacho, la patria es el hombre que no pisen". Há um reconhecimento profundo da beleza e da diversidade cultural venezuelana – suas paisagens, ritmos e figuras típicas – que, apesar da tristeza da realidade social, são fontes de identidade e resistência.

A Poesia como Ferramenta de Conscientização e Luta

Por fim, Alí Primera eleva a música e a poesia a um patamar de armas na luta pela dignidade. "Canta canta compañero que tu voz sea disparo que con las manos del pueblo no habrá canto desarmado", ele afirma. O poeta e o cantor têm o papel vital de encurtar o caminho da luta, inspirando a esperança e a união: "el camino es largo pero lo acorta el poeta cuando se acerca al abiego Y surcan juntos la tierra". A música, para ele, é o veículo que transporta a "esperanza en la mano buscando darle a la patria caminos de dignidad".

Alí Primera, através de sua "Un Canto a la Revolución", não só homenageia o legado de Bolívar mas também o ressignifica, transformando-o em um símbolo de resistência contínua contra as novas formas de opressão, e reafirmando a música como um poderoso instrumento de consciência e transformação social na América Latina.

O Legado e a Morte Prematura

Com o passar dos anos, as perseguições e atentados contra Alí se intensificaram. Sua morte ocorreu tragicamente em 16 de fevereiro de 1985, em um acidente automobilístico na Autopista Valle-Coche, em Caracas, que mergulhou a Venezuela em luto. Embora circulem rumores de que o acidente foi resultado de um atentado político, cortando os freios de seu veículo, não há confirmação oficial.

Pouco antes de falecer, Alí havia iniciado um novo projeto discográfico em 1984, buscando combinar seus temas habituais com ritmos inéditos, como a gaita zuliana. Ele havia gravado a voz para apenas quatro faixas. Após sua morte, seu irmão, José Primera (conhecido como José Montecano), e seus sobrinhos, completaram o álbum. "Por Si No Lo Sabía" foi o primeiro e único álbum de Alí a ser promovido na televisão, um meio do qual ele sempre fora censurado. No ano seguinte, a disquera Cigarrón lançou "Alí ¡En Vivo!", gravado anos antes no Auditório Magdalena Seijas em Barquisimeto, uma apresentação que incluiu o Hino Nacional da Venezuela e celebrou um programa radial de música de protesto latino-americana.

Em 2005, o governo venezuelano declarou sua música como Patrimônio Nacional. No entanto, os direitos de seus discos foram cedidos à extinta Top Hits e, posteriormente, adquiridos pela mexicana Balboa Records. O legado de Alí Primera, "o Cantor do Povo", continua vivo nos corações da Venezuela e da América Latina, perpetuando sua "Canção Necessária" como um hino de esperança e luta por dignidade.

Referências:

Andragogia. (2009, 17 de janeiro). Alí Primera: Cantor do Povo. Disponível em: https://andragogia.wordpress.com/2009/01/17/ali-primera/

Primera, Alí. Un Canto a la Revolución. [https://www.youtube.com/watch?v=9BYiWLM0Bww ].





quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O que rola na produção do conhecimento e no ensino de Sociologia?

E aí, beleza? Bora trocar uma ideia sobre a Sociologia, essa disciplina massa que não só faz a gente enxergar o mundo com outros olhos, mas também ajuda a moldar uma sociedade mais consciente e justa.

Ciência Social: onde tá a treta?
Imagina só: o sociólogo, esse cientista das tretas humanas, encara de frente os fenômenos sociais – tipo violência, desigualdade, cultura ou poder. Mas ele não tá sozinho nessa. Cada pesquisa é uma ponte entre o que ele enxerga no mundo e as ferramentas que ele usa pra analisar. Não é só sobre entender o que tá rolando, é sobre questionar o que parece normal, buscar as contradições e abrir espaço pra reflexão.

E, ó, não pense que o pesquisador é uma folha em branco. Ele já chega com valores, ideias e aquele filtro próprio que todo mundo tem. Isso molda o que ele vai pesquisar e como ele vai abordar o tema. Mas, no fim das contas, o rolê da Sociologia é esse: transformar a observação da vida cotidiana – do crime ao afeto, passando pela juventude e religião – em conhecimento que ajuda a gente a repensar o mundo.

Ensino de Sociologia: mais que uma aula, uma jornada
Desde 2008, a Sociologia tá no currículo do Ensino Médio, obrigatória por lei. Isso rolou depois de muita luta da galera que queria uma educação mais democrática e conectada com a realidade. E qual é o lance de aprender Sociologia na escola? É entender que a sociedade não é só esse sistema gigante que engole a gente. Pelo contrário, dá pra questionar, refletir e até propor mudanças.

O legal é que a Sociologia faz a galera jovem expandir a visão sobre o mundo, enxergar a diversidade e se ligar que dá pra participar ativamente da construção de uma sociedade mais bacana. É tipo abrir o terceiro olho da consciência crítica.

Se curtiu o papo, saiba que dá pra mergulhar ainda mais nesse universo. Fazer faculdade de Ciências Sociais é o primeiro passo pra se tornar um sociólogo. Dá pra seguir pesquisando temas profundos na academia ou se jogar no magistério, ensinando pra galera do Ensino Médio. Depois rola um mestrado, e um doutorado, e esse pode ser em Sociologia, Ciência política ou Antropologia, essas áreas são as Ciências Sociais. Aprofundando um tema de pesquisa e também se tornando professor do ensino superior, uma carreira fascinante!

O caminho exige curiosidade e empatia, mas vale a pena: você estará na linha de frente pra entender e transformar a sociedade. Bora conhecer 10 motivos para fazer Sociologia na facul?

01- Desvendando a Matrix: Entenda como a sociedade funciona e o seu papel nela.
02- Questionar é viver: Seja o(a) rei/rainha das perguntas e menos das respostas fáceis.
03- De olho nas injustiças: Reconheça desigualdades e se inspire pra mudar o jogo.
04- Quem é você na fila do pão?: Descubra como a cultura e a identidade se formam.
05- Mudanças no radar: Entenda o que tá mudando na sociedade e como isso afeta o dia a dia.
06- Partiu participar?: Saiba como se engajar social e politicamente.
07- Empatia na veia: Olhar o mundo pelo ponto de vista do outro é poderoso.
08- Versatilidade 100%: De educação a saúde, Sociologia é uma baita ferramenta.
09- Interações sociais: Explore as interações humanas e melhore suas conexões.
10- Autoconhecimento na prática: Descubra seus próprios preconceitos e aprenda com eles.



sábado, 9 de novembro de 2024

Lançamento do Podcast: Mergulho na Sociologia – Episódio 1: O nascimento da sociologia e as formas de conhecimento


É com muita satisfação que apresento a vocês o Mergulho na Sociologia, nosso novo podcast no Canal do Professor Martin! Este projeto foi criado para explorar de maneira acessível e profunda os temas e conceitos da Sociologia, contribuindo para uma compreensão mais ampla das dinâmicas sociais que nos cercam.

Neste primeiro episódio, intitulado O nascimento da sociologia e as formas de conhecimento, fazemos uma imersão nas bases dessa fascinante área do conhecimento. Abordamos os diferentes tipos de conhecimento – senso comum, religioso, filosófico e científico – e discutimos por que a Sociologia é fundamental para entender a vida em sociedade e enfrentar os desafios do mundo atual. Vamos também conhecer um pouco da história dessa ciência, que surgiu em resposta às grandes transformações sociais trazidas pelas Revoluções Industrial e Francesa, e como ela evoluiu para se adaptar às novas realidades sociais e tecnológicas ao longo dos séculos.

Com nossos narradores virtuais, Julio e Ana, conduzindo as discussões, este episódio foi pensado para ser uma introdução envolvente e esclarecedora, ideal tanto para quem já tem familiaridade com a Sociologia quanto para aqueles que estão começando a explorá-la. O podcast visa proporcionar uma experiência educativa rica, utilizando a tecnologia para criar conteúdos que apoiem o aprendizado e instiguem a reflexão.

Onde ouvir?

Você pode conferir o primeiro episódio de Mergulho na Sociologia diretamente no Canal do Professor Martin no YouTube. Não deixe de seguir nosso canal para acompanhar cada novo episódio, e aproveite para compartilhar com colegas e amigos interessados em conhecer mais sobre o mundo da Sociologia! Em breve no Spotfy!

Acompanhe no Youtube:




Venha com a gente nesse mergulho pelo conhecimento e descubra o quanto a Sociologia pode revelar sobre o nosso cotidiano e as transformações da sociedade. Não perca!

quarta-feira, 17 de julho de 2024

O preço do amanhã! Já assistiu este filme?


Cara, esse filme é demais! Imagina um mundo onde o tempo da sua vida é a moeda, num futuro onde o tempo substituiu o dinheiro, os ricos vivem pra sempre, enquanto os pobres lutam todo dia pra ganhar mais um pouquinho de tempo. No filme o ator principal luta contra a morte porque ganhou tempo extra de um doador misterioso, que está sendo perseguido. Depois ele passa a ser perseguido por ter adquirido mais tempo de forma irregular, mais de um século! 

Com essa quantidade de tempo, ele se vê numa nova realidade. Ele começa a desafiar as regras dessa sociedade, onde ter tanto tempo é raro e perigoso. Conforme ele explora esse novo mundo, surgem confrontos e reviravoltas, testando sua coragem e força de vontade. Mas, à medida que descobre o que realmente significa viver eternamente, ele começa a se perguntar se essa vida eterna é tão legal assim. A luta por justiça, significado e liberdade se intensifica, revelando que o tempo, apesar de ser uma moeda valiosa, pode ser uma maldição.


"O Preço do Amanhã" é perfeito pra gente dar uma olhada pelas lentes dos sociólogos clássicos como Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. O filme aborda desigualdade, opressão e estrutura social, e essas temáticas podem ser analisadas sobre a lupa desses teóricos. 

Mas primeiro veja o trailer do filme: 


No filme, o tempo é uma metáfora pro capital. Os ricos acumulam tempo e vivem pra sempre, enquanto os pobres trabalham duro pra sobreviver. Isso reflete a crítica de Marx ao capitalismo, onde a burguesia (classe dominante) acumula riqueza à custa do proletariado (classe trabalhadora). Os trabalhadores, tipo o Will, estão alienados do produto de seu trabalho e da sociedade. Eles vivem lutando pela sobrevivência, sem controle sobre seu tempo, que é controlado pelos ricos. A luta do Will e da Sylvia pra redistribuir o tempo e derrubar o sistema opressor é como a revolução proletária de Marx, onde os trabalhadores se levantam contra os capitalistas pra criar uma sociedade mais justa.

A sociedade do filme é cheia de anomia, falta de normas e valores comuns. A desigualdade extrema cria uma sociedade disfuncional sem coesão social. Durkheim achava que a divisão do trabalho devia promover solidariedade social. No filme, a divisão é tão desigual que em vez de unir, causa fragmentação e conflito. O suicídio do cara rico que doa seu tempo pro Will é um exemplo da desconexão moral. Ele tá tão alienado e sem propósito que escolhe acabar com a própria vida, mostrando o impacto negativo da desigualdade extrema na moralidade e coesão social.

A sociedade do filme é super racionalizada, com um sistema burocrático rigoroso que controla o tempo de cada um. Weber falou sobre como a racionalização pode aprisionar as pessoas num sistema impessoal e opressor. A dominação legítima, ou autoridade, é evidente no controle que a elite exerce sobre o tempo. Eles têm o poder, enquanto os outros são subjugados. Isso lembra a autoridade tradicional e racional-legal de Weber. A vida eterna dos ricos não leva à felicidade. Pelo contrário, há um desencantamento com a vida, um tema central nas obras de Weber sobre como a racionalização e a modernidade podem levar à perda de sentido e propósito.

"O Preço do Amanhã" é um retrato distópico onde as ideias desses clássicos da sociologia se entrelaçam, mostrando a luta de classes e a necessidade de revolução pra superar a opressão capitalista, demonstra a anomia e a falta de solidariedade resultante de uma divisão do trabalho super desigual, e reflete a racionalização extrema e a dominação burocrática, além do desencantamento com a vida moderna. Esse filme é uma opção muito interessante para compreender alguns pontos das teorias sociológicas, então, se liga e assiste "O Preço do Amanhã", e se você chegou até aqui merece um prêmio, clique aqui e assista o filme completo no meu canal. Vai abrir sua mente!

quinta-feira, 27 de junho de 2024

O trabalho moldou a humanidade e hoje molda o mundo

Desde os tempos dos nossos ancestrais até hoje, o trabalho sempre foi essencial para a nossa sobrevivência e evolução. Transformando a natureza e criando ferramentas, fomos aumentando nossa capacidade de ação, o que, por sua vez, também nos mudou e mudou o mundo ao nosso redor.
Dos desenhos nas cavernas aos smartphones, das primeiras fazendas no Crescente Fértil à agricultura de precisão, dos primeiros vilarejos às metrópoles gigantes, o trabalho humano construiu nosso mundo. Ele não só criou cidades e campos, mas também moldou nossas sociedades e a forma como vivemos, nos relacionamos e pensamos sobre a vida.

Mas falar de trabalho é muito mais do que isso. O trabalho humano é social e varia conforme a organização econômica e social de cada sociedade. Ele está na nossa luta pela sobrevivência, na nossa interação com a natureza e na criação de técnicas para transformar o ambiente ao nosso redor. Para entender o trabalho, temos que olhar para essa complexidade e as conexões entre natureza, cultura e sociedade.
Refletir sobre o trabalho é observar como a humanidade se desenvolveu, como as relações humanas mudaram e como criamos e usamos técnicas e artefatos. É entender como nos organizamos social e economicamente, como distribuímos riquezas e como as relações de poder e política se manifestam.

Se compararmos nossa sociedade tecnológica e de consumo com o mito de Narciso, que se apaixonou pela própria imagem, não veríamos uma bela figura refletida, mas um grande acúmulo de lixo. Isso é resultado do modelo capitalista, focado na produção e consumo de mercadorias.
O artista Vik Muniz, por exemplo, recriou a famosa pintura de Caravaggio usando lixo, questionando a sociedade atual. O acúmulo de lixo e resíduos é uma marca do nosso tempo, e se não fizermos nada, os danos à saúde humana serão severos, como alerta um relatório da ONU de 2019. Poluentes em nossa água potável podem fazer com que a resistência antimicrobiana se torne a maior causa de mortes até 2050.
A filosofia ocidental começou com o ser humano maravilhado pela natureza. Platão e Aristóteles disseram que o espanto e a vontade de conhecer foram o ponto de partida para os primeiros filósofos. Eles acreditavam que entender a natureza era como entender a si mesmo, já que o homem faz parte dela.

Na natureza, cada ser vivo tem suas próprias maneiras de sobreviver. Pensa no tigre caçando: ele se esconde, se move devagar, observa sua presa e ataca no momento certo. Alguns diriam que isso é uma técnica, mas há uma diferença importante: enquanto os animais agem por instinto, os humanos planejam suas ações, e suas ações estabelecem memórias que são associadas e usadas aprimorando a próxima ação. A técnica humana envolve razão, acúmulo de conhecimento e planejamento, não apenas instinto momentâneo. Assim, a técnica é uma criação nossa, que inclui tanto ferramentas quanto teorias.

Essa técnica, vista como um procedimento racional que garante nossa existência, está ligada ao trabalho. Através do trabalho, transformamos a natureza, criando produtos que nos ajudam a sobreviver. E ao fazer isso, também nos transformamos, superando nossos limites biológicos com instrumentos e teorias que ampliam nossa capacidade de ação.

O trabalho se desenvolve na cooperação entre as pessoas e, através das relações com os produtos do trabalho, cada indivíduo se humaniza. Assim, o homem é um ser cultural e social, não apenas biológico. A técnica sempre esteve presente na nossa história e muda conforme as transformações sociais, econômicas e culturais no avanço histórico cultural de cada povo, em cada ambiente.


Hoje, o uso da técnica, ou tecnologia, nos diferencia de outras épocas. Nossa sociedade está profundamente influenciada pela tecnologia, que mudou nossos modos de existir e se associa estreitamente com a ciência. Enquanto a técnica tradicional se baseava em conhecimentos empíricos e pré-científicos, a tecnologia moderna evoluiu com a ciência desde o século XVII e se consolidou na Revolução Industrial.

A tecnologia tem criado uma cultura própria. Pense em como nos comunicamos hoje com smartphones e redes sociais, comparado a antes. Apesar de ser um intervalo de tempo relativamente curto, nossas formas de vida mudaram drasticamente. É assim que podemos dizer que vivemos numa sociedade tecnológica.

Os avanços que criaram a sociedade tecnológica mudaram a forma como vemos a natureza. No início da ciência moderna, ao contrário dos antigos pensadores naturalistas, os cientistas não buscavam só entender as leis da natureza por curiosidade. Eles queriam descobrir as leis dos fenômenos para usá-las em nosso benefício. Por exemplo, sabemos que a água congela abaixo de 0ºC e que metais se expandem ao serem aquecidos. Compreender essas leis passou a ser uma forma de usá-las para melhorar a vida das pessoas.

O filósofo francês René Descartes (1596-1650) falou muito sobre isso. Ele acreditava que, em vez da filosofia especulativa ensinada nas escolas, deveríamos buscar uma filosofia prática. Conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os corpos ao nosso redor, poderíamos usá-las como os artesãos usam suas ferramentas, tornando-nos "senhores e possuidores da natureza."

“[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis à vida, e que, ao invés dessa filosofia especulativa ensinada nas escolas, pode-se encontrar uma filosofia prática, mediante a qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam, tão distintamente como conhecemos os diversos ofícios de nossos artesãos, poderíamos empregá-las do mesmo modo em todas os usos a que são adequadas e assim nos tornarmos como que senhores e possessores da natureza.” 

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 81-82.

A ideia de “posse” é importante no texto de Descartes. Para ele, o ser humano deveria usar o conhecimento científico para dominar e utilizar a natureza conforme seus interesses. O conhecimento científico trouxe poder, fazendo-nos acreditar que podemos subjugar a natureza. 

Com essa mentalidade, usamos o conhecimento científico para aumentar a produtividade da agricultura, investigar as propriedades do ferro e do aço para construir casas, edifícios, carros e ferrovias, explorar o espaço para lançar satélites que melhoram nossa comunicação e testar medicamentos em animais para evitar doenças. A natureza passou a ser vista como um reservatório inesgotável de recursos, sempre disponível para nosso prazer e bem-estar. Então, já parou para pensar como essa visão impactou nossa relação com o mundo natural e moldou a sociedade em que vivemos hoje?

“O que os homens querem aprender da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens. Nada mais importa [...] O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é alienação daquilo sobre o que exercem o poder.” 

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 20-24.

Os filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer falavam sobre a "razão instrumental" para descrever a razão que se desenvolveu com a ciência moderna. Segundo eles, essa razão se afastou de reflexões sobre os grandes objetivos que deveriam guiá-la. Conceitos e valores como humanidade, liberdade, justiça, verdade, igualdade e felicidade, que não podem ser medidos ou classificados, foram excluídos do domínio da razão. Ao se separar desses valores humanistas, a razão se tornou utilitária, focada em calcular probabilidades e coordenar os meios para atingir um objetivo. Com essa razão instrumental, as perguntas que fazemos são: "Que proveito posso tirar da natureza?", "Como posso lucrar com a exploração de petróleo, água, madeira ou metal?" e "Como posso manipular a natureza para ganhar tempo, produtividade e lucro?".

Diante da situação atual, precisamos repensar nossa relação com a natureza. É hora de refletir sobre o que queremos e como pretendemos viver. Para o filósofo e psicanalista francês Félix Guattari (1930-1992), uma mudança profunda na nossa sociedade depende de uma visão e de ações políticas e éticas mais amplas. Guattari acreditava que a ciência e a técnica deveriam ser orientadas para finalidades mais humanas.

“É evidente que uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas. Não podemos nos deixar guiar cegamente pelos tecnocratas dos aparelhos de Estado para controlar as evoluções e conjurar os riscos nesses domínios, regidos no essencial pelos princípios da economia de lucro.” 

GUATTARI, Félix. As três ecologias. 11. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 23-24.

Arne Naess (1912-2009) foi o filósofo que criou o conceito de ecologia profunda. Ele propôs mudanças políticas, sociais e econômicas para promover uma existência harmoniosa entre todos os seres vivos. Aqui estão os principais pontos de suas ideias: (1) Bem-estar da Vida: O bem-estar e o florescimento da vida humana e não humana na Terra são valores em si mesmos, independentes de sua utilidade para os seres humanos. (2) Diversidade e Riqueza: A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e, portanto, também são valiosas em si mesmas. (3) Respeito à Natureza: Os humanos não têm o direito de reduzir essa riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades vitais. (4) Impacto Humano: O impacto humano na natureza está aumentando rapidamente, e isso precisa ser reduzido. (5) Mudanças nas Políticas: As políticas econômicas, tecnológicas e ideológicas devem ser mudadas para que a vida na Terra possa prosperar. (6) Consciência Ecológica: A mudança ideológica deve valorizar a qualidade de vida, mais do que perseguir incessantemente um nível de vida mais elevado. (7) Diferença entre Crescimento Material e Pessoal: Deve haver uma conscientização profunda sobre a diferença entre crescimento material e crescimento pessoal, independente do acúmulo de bens tangíveis.

Naess defendia que, para alcançar uma existência harmoniosa, é necessária uma mudança ideológica que valorize a qualidade de vida e reconheça a importância intrínseca de todas as formas de vida. Então, já pensou em como adotar essa visão de ecologia profunda pode transformar a forma como vivemos e nos relacionamos com o mundo ao nosso redor?

Texto adaptado/parafraseado de: ROMEIRO, J; APOLINÁRIO, M. R; MELANI, R; JUNQUEIRA, S. M. Diálogo: ciências humanas e sociais aplicads: trabalho, tecnologia e natureza. 

terça-feira, 25 de junho de 2024

O que é socialização e como ela acontece no nosso dia a dia

Em qualquer sociedade, seja ela simples ou complexa, os indivíduos interagem seguindo certas regras e normas, formando assim um grupo. A Sociologia utiliza um conceito fundamental para estudar o processo pelo qual os indivíduos constituem a sociedade e são moldados por ela: o de socialização.

O processo de socialização inicia-se na família, passa pela vizinhança e pela escola, e continua através dos meios de comunicação. Envolve a convivência com os moradores do bairro, os membros de uma religião, o grupo que frequenta o clube ou participa das festas populares, e os habitantes da cidade onde se nasce ou vive. A imagem mais representativa desse processo é a de uma vasta rede formada por relações sociais que se entrelaçam, compondo diversas outras relações até constituírem a sociedade.


Cada indivíduo, ao integrar uma sociedade, insere-se em múltiplos grupos e instituições que se cruzam, como a família, a escola e a igreja. Assim, o fio condutor parece interminável, criando uma complexa rede de relações onde cada pessoa mantém sua individualidade. Dessa forma, cada um vive suas próprias experiências, que podem ser semelhantes ou distintas das experiências de outras pessoas..

Toda sociedade precisa estabelecer ao longo de sua existência certas normas sociais que proporcionam unidade, favorecem a diversidade e dão sentido à vida em grupo. Ao nascer, o indivíduo entra em um mundo já estruturado, com o qual inicialmente se relaciona de maneira estranha. A criança sente frio, calor, conforto, desconforto, sorri e chora, começando assim a interagir e a conviver com o mundo externo. Nos primeiros meses de vida, aprende a conhecer seu próprio corpo, observando e tocando partes dele ou olhando-se no espelho. Nesse estágio, ainda não se reconhece como um indivíduo distinto, pois não domina os códigos sociais; é apenas o “bebê”, uma entidade genérica.

Com o tempo, a criança começa a perceber que existem outros elementos ao seu redor: o berço (se o tiver), o chão (que pode ser de terra batida, cimento, tábuas ou mármore com tapetes) e os objetos que compõem o ambiente em que vive. Nota também a presença de outras pessoas – pai, mãe, irmãos, tios e avós – com as quais precisará interagir. Descobre que há outros indivíduos, com nomes como José, Maurício, Solange e Marina, que são chamados de amigos ou colegas, e começa a diferenciar as pessoas da família das demais. À medida que cresce, descobre que existem ações permitidas e proibidas. Posteriormente, compreenderá que essas permissões e proibições são determinadas pelas normas, valores e costumes do grupo, das classes e da sociedade a que pertence.


No processo de explorar o mundo, a criança percebe que alguns dias são diferentes dos outros. Em certos dias, os pais não saem para trabalhar e passam mais tempo em casa. Nesses momentos, ela assiste mais à televisão, faz passeios em parques ou outros lugares. Em algumas dessas ocasiões, pode também visitar templos ou igrejas. Durante os demais dias da semana, ela vai à escola, onde encontra outras crianças da mesma idade e também outros adultos. A criança começa a compreender que, além da casa e do bairro onde vive, existem outros lugares, alguns semelhantes ao seu ambiente e outros bastante diferentes; alguns próximos e outros distantes; alguns grandes e outros pequenos; alguns luxuosos e outros simples ou até miseráveis.

Ao assistir à televisão, utilizar a internet, ler um livro ou viajar, a criança percebe que existem cidades grandes e pequenas, antigas e modernas, bem como áreas rurais com poucas casas onde são cultivados os alimentos que ela consome. Aos poucos, ela aprende que cidades, zonas rurais, florestas e rios fazem parte do território de um país, que geralmente é dividido em unidades menores (no Brasil, chamadas de estados). Durante essa "jornada" de crescimento, a criança descobrirá que existem continentes, oceanos e mares, e que tudo isso, junto com a atmosfera, forma o planeta Terra, que por sua vez pertence a um sistema maior, o sistema solar, que está integrado em uma galáxia.

Esse processo de convivência com a família e os vizinhos, de frequentar a escola, de ver televisão, de passear e de conhecer novos lugares, coisas e pessoas, compõe um universo multifacetado no qual a criança vai se socializando. Além de aprender sobre coisas e lugares, ela também vai internalizando palavras, significados e ideias, absorvendo, assim, os valores e o modo de vida da sociedade a que pertence.

Compreender a sociedade significa reconhecer as muitas diferenças no cotidiano dos indivíduos e prestar atenção a elas. É muito distinto nascer e viver em uma favela, em um bairro rico, em um condomínio fechado ou em uma área do sertão nordestino sujeita a longos períodos de seca. Essas desigualdades resultam em formas diferentes de socialização.

Ao discutir as diferenças, é fundamental relacioná-las ao contexto histórico. A socialização de hoje é diferente da dos anos 1950. Naquela época, a maioria da população vivia em áreas rurais ou pequenas cidades. As escolas eram pequenas e tinham poucos alunos. A televisão estava começando no Brasil e seus programas eram vistos por poucas pessoas. Não havia internet e a telefonia era precária. Ouvir rádio era a principal forma de obter informações sobre o que acontecia em outras partes do país e do mundo. As pessoas se relacionavam quase exclusivamente com quem vivia próximo e estabeleciam fortes laços de solidariedade. Escrever cartas era muito comum, pois era a maneira mais prática de se comunicar à distância.
Ao longo da segunda metade do século XX, os avanços tecnológicos nos setores de comunicação e informação, o aumento da produção industrial e do consumo e o crescimento da população urbana provocaram grandes transformações em todo o mundo.

Em certos casos, mudanças econômicas e políticas resultaram na deterioração das condições de vida e na desorganização social, levando a situações desastrosas. Em vários países do continente africano, milhares de pessoas morreram de fome ou em guerras internas, algo que ainda ocorre. Na antiga Iugoslávia, na Europa, grupos étnicos se envolveram em conflitos que misturavam questões políticas, econômicas e culturais. Esses grupos, com ou sem o apoio de outros países, enfrentaram-se durante muitos anos em uma sangrenta guerra civil. Nascer e viver nessas condições é completamente diferente de viver no mesmo local em paz e tranquilidade. A socialização das crianças que crescem em uma situação de "guerra permanente" (quando conseguem sobreviver) é profundamente impactada.

Mesmo considerando essas e outras inúmeras diferenças, geralmente há um processo de socialização formal, conduzido por instituições como a escola, a Igreja e o Estado, e um processo mais informal e abrangente, que ocorre inicialmente na família, na vizinhança, nos grupos de amigos e através dos meios de comunicação.

O ponto de partida é a família, o espaço privado das relações de intimidade e afeto, onde geralmente se encontram compreensão e refúgio, apesar dos conflitos. É nesse ambiente que se aprendem as normas e regras de convivência e a lidar com a diferença e a diversidade. Como muitos dizem, é o lugar onde as pessoas são educadas.

Os espaços públicos de socialização incluem todos os outros lugares frequentados pelos indivíduos e seus grupos. As relações nesses espaços são diferentes, pois envolvem a convivência com pessoas muitas vezes desconhecidas. Nos espaços públicos, não é possível fazer muitas das coisas permitidas em casa, sendo necessário observar as normas e regras específicas de cada situação. Nos locais de estudo e atividades religiosas, por exemplo, o silêncio é essencial; na escola, onde ocorre a chamada educação formal, exige-se pontualidade nos horários de entrada e saída, entre outras regras.

Além disso, existem agentes de socialização presentes tanto nos espaços privados quanto nos públicos: os meios de comunicação, como o cinema, a televisão, o rádio, os jornais, as revistas e os aparelhos eletrônicos (conectados à internet ou não), esses talvez sejam os meios de socialização mais eficazes e persuasivos.

Parafraseado de:
Tomazi, N. D., & Rossi, M. A. (2016). Sociologia para o ensino médio: Volume único (5ª ed.). São Paulo: Saraiva.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Cidade do futuro, cidade mais democrática

O futuro das cidades é um tema complexo e em constante debate. Enquanto alguns enxergam um cenário pós-industrial, descentralizado e impulsionado pela tecnologia, outros questionam se isso resultará em mais democracia ou apenas em maior desigualdade. Pensadores como David Harvey e Carlos Bernardo Vainer sugerem que as cidades do futuro podem ser espaços de esperança e luta, onde políticas municipais podem reduzir desigualdades, fortalecer a organização popular e combater práticas corruptas e clientelistas.

Essas questões estiveram em destaque no Fórum Social Urbano do Rio de Janeiro em 2010, que contrastou com o evento oficial da ONU, o V Fórum Urbano Mundial. Enquanto a ONU enfatizava o investimento em saneamento básico como chave para o desenvolvimento urbano, o Fórum Social Urbano destacava a importância da troca de experiências entre organizações comunitárias, a denúncia da criminalização dos movimentos sociais e a busca pela Justiça Ambiental.

Diante dessas perspectivas, surge a pergunta: podemos vislumbrar um futuro diferente para nossas cidades? A questão urbana pode ser resolvida? É um convite à reflexão sobre o papel das políticas públicas, da participação cidadã e das iniciativas sociais na construção de cidades mais justas e democráticas.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Origens e Significado do Dia do Trabalho

O Dia do Trabalho, celebrado em muitos países ao redor do mundo, é uma data que evoca não apenas a conquista dos direitos trabalhistas, mas também representa uma homenagem às lutas e sacrifícios dos trabalhadores ao longo da história.

Sua origem remonta ao final do século XIX, em um período marcado por condições de trabalho extremamente desafiadoras, jornadas exaustivas e falta de direitos básicos para os trabalhadores. Nos Estados Unidos, em particular, a situação era preocupante, com jornadas de trabalho que chegavam a 12 horas por dia, sete dias por semana, sem direito a folgas ou condições de segurança no local de trabalho.




Foi nesse contexto que, em 1º de maio de 1886, milhares de trabalhadores americanos saíram às ruas em uma série de manifestações, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. As manifestações culminaram em uma greve geral que paralisou várias indústrias em todo o país.

Embora os eventos de 1886 tenham sido marcados por confrontos violentos entre trabalhadores e autoridades, eles também catalisaram um movimento de conscientização sobre as condições de trabalho e a necessidade de reformas. Em 1894, o presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, assinou uma lei estabelecendo o Dia do Trabalho como feriado nacional, como uma forma de reconhecer e honrar os esforços dos trabalhadores e suas contribuições para a nação.

Desde então, o Dia do Trabalho tornou-se uma ocasião importante para celebrar as conquistas dos trabalhadores e refletir sobre os desafios que ainda persistem no mundo do trabalho. Em muitos países, é um dia de descanso, lazer e atividades em família, mas também é uma oportunidade para reafirmar o compromisso com a justiça social, a equidade e a dignidade no local de trabalho.

Hoje, à medida que enfrentamos novos desafios, como a automação, a globalização e as mudanças climáticas, o espírito de solidariedade e cooperação que inspirou os primeiros defensores do Dia do Trabalho continua relevante. A data nos lembra que, apesar das diferenças culturais e políticas, os trabalhadores de todo o mundo compartilham aspirações comuns por um trabalho digno e condições justas.

Portanto, enquanto celebramos o Dia do Trabalho, é importante não apenas reconhecer as conquistas do passado, mas também renovar nosso compromisso com a construção de um futuro onde todos os trabalhadores sejam valorizados, respeitados e tenham a oportunidade de prosperar.

Que o Dia do Trabalho seja uma ocasião para honrar o labor de todos aqueles que contribuem para o progresso da sociedade e para reafirmar nossa determinação em buscar um mundo onde o trabalho seja verdadeiramente digno e gratificante para todos.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

A cidade empresa ou cidade capitalista, uma análise sociológica

Quando uma cidade planeja grandes eventos para atrair o capital, ocorrem grandes mudanças. Mas que mudanças são essas? Elas melhoram as condições sociais da cidade?

Os megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos, costumam ser celebrados como momentos de glória e união nacional. No entanto, por trás dessa aparente festa, há uma série de questões sociais, econômicas e territoriais que frequentemente passam despercebidas pela grande mídia.

Carlos Bernardo Vainer, renomado pesquisador em estudos urbanos, lança luz sobre essa problemática ao analisar os megaeventos como parte de um fenômeno maior: a ascensão da "cidade-empresa". Esse conceito, que ganhou força a partir da década de 1990, representa uma visão de cidade moldada pelos interesses empresariais e competitivos.

Durante os megaeventos, essa lógica atinge seu ápice, transformando a cidade em uma "cidade de exceção", onde as regras do jogo são ditadas pelos empresários e os interesses comerciais prevalecem sobre as necessidades da população local. A implementação de legislações específicas e a privatização de espaços públicos exemplificam essa dinâmica, que muitas vezes resulta em remoções forçadas e marginalização de comunidades inteiras.

Um exemplo marcante dessa realidade foi a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, onde milhares de pessoas foram deslocadas para a chamada "Cidade de Lata", longe dos olhos dos turistas, em condições desumanas e sem apoio do Estado.

No contexto brasileiro, as preparações para os megaeventos revelaram problemas similares, com remoções de comunidades inteiras e alterações na legislação para atender aos interesses dos investidores. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, entregou sua área portuária a um consórcio empresarial, evidenciando a submissão do espaço urbano aos ditames do mercado.

Diante dessas análises, torna-se claro que os megaeventos esportivos não são apenas sobre esportes, mas também sobre negócios. Eles deixam marcas profundas e duradouras nas cidades-sede, reconfigurando não apenas a paisagem urbana, mas também o acesso aos espaços públicos e o perfil socioeconômico da população. Portanto, é fundamental questionarmos as narrativas dominantes sobre os megaeventos e considerarmos suas consequências sociais e políticas. Somente assim poderemos construir cidades mais justas e inclusivas, onde os interesses da população prevaleçam sobre os interesses do mercado.

Para ler o texto completo que estamos estudando clique aqui!

FONTE: OLIVEIRA, Luiz Fernandes; COSTA, Ricardo Cesar Rocha. Sociologia para jovens do século XXI: manual do professor. Rio de Janeiro: Imperial/Novo Milênio.2016.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

A Importância do Pensamento de Karl Marx na Compreensão da Sociedade

Você já se perguntou como o mundo ao nosso redor funciona e por que existem tantas desigualdades sociais? 

Karl Marx (1818-1883), um filósofo e economista alemão, dedicou sua vida ao estudo da sociedade capitalista e suas injustiças. Em suas análises, Marx não apenas interpretava o mundo, mas buscava transformá-lo.

Marx entendia que a história da humanidade é marcada pelas lutas de classes, onde diferentes grupos sociais disputam poder e recursos. Ele via o trabalho como a essência da existência humana, enfatizando como as relações sociais de produção moldam a sociedade.

Com o aumento da produção de riquezas, surgiram divisões sociais, como a divisão entre proprietários e não proprietários dos meios de produção. Para Marx, as classes sociais antagônicas protagonizam as grandes transformações históricas, especialmente em momentos de crise, culminando em revoluções sociais.


As revoluções Industrial e Francesa, por exemplo, marcaram a ascensão da burguesia ao poder, mas Marx via a necessidade de uma revolução mais radical, liderada pelo proletariado, para criar uma sociedade socialista.

A análise de Marx ressalta a importância da classe social na compreensão das ações individuais e da história. Ele propôs a organização política e consciente dos trabalhadores para transformar a realidade de exploração e construir uma sociedade mais justa, onde a riqueza fosse compartilhada por todos.

Hoje, mais do que nunca, as ideias de Marx continuam relevantes para entendermos e transformarmos a sociedade em que vivemos. A reflexão sobre as desigualdades sociais e a busca por uma ordem mais justa são desafios que nos convidam a refletir sobre o legado e a atualidade do pensamento marxista.

Para ampliar o conhecimento vamos estudar o material a seguir e em sala vamos refletir através de uma atividade:

Fonte: OLIVEIRA, Luiz Fernandes; COSTA, Ricardo Cesar Rocha.  Sociologia para jovens do século XXI : manual do professor. 4. ed. - Rio de Janeiro : Imperial Novo Milênio, 2016. p. 24-25

Um canto para a revolução

O processo de independência na América Latina não foi um evento singular, mas um complexo mosaico de lutas, ideais e figuras que moldaram o ...